UM CONQUISTADOR QUASE INOCENTE

Quando pequeno Ricardinho era um garoto não muito atraente, mirrado, meio sardento, pobre e por ser oriundo da roça, seu linguajar também não era dos melhores. Cresceu sendo discriminado pelos garotos de sua faixa etária. Era comum ver alguns garotos de sua idade sentados em uma mesa da  única sorveteria da cidade, saboreando uma taça de sorvete, enquanto  ele solitário em um canto  da sorveteria se contentava com um sorvete na casquinha ou um palito de groselha, um dos poucos sorvetes  da época. Na realidade, além de pouco sociável  Ricardinho também se tornava pouco participativo nas brincadeiras e até nas peladas que se  praticava  no pátio  da  escola.

É notório, que em qualquer comunidade o comportamento das crianças  se difere  muito.  Há os que recebem um tipo de incentivo  dos familiares  e já crescem sabendo  da importância  de si próprio.  Um é muito importante porque é filho da cabeleireira, o outro é filho do delegado, um terceiro é filho  do chefe dos engraxates e assim por diante.  Mas a maioria das crianças nem sabem  quais as ocupações de seus pais e por não se gabarem de nada, ficam relegados a segundo plano. No único lugar  em que as crianças são todas iguais, é na prática do futebol, não interessa de onde o garoto vem, como ele  fala,  como se comporta e  nem se é bom  ou ruim de bola,  dentro de um campo todos são iguais.

Como todo garoto, Ricardinho também tinha alguns amigos, poucos na verdade, ele só tinha  o Poquinha que era filho de um taxista e que ele considerava um cara quase rico e o Fernão, este filho da dona da única pensão da cidade. Com o Poquinha o Ricardinho batia bola quase que o dia inteiro. Com o Fernão a convivência era um pouco diferente, este tomava conta de um escritório de contabilidade de um seu parente e por algumas horas do dia  ficava datilografando, o que para o Ricardinho  era uma coisa do outro mundo.  Ele tinha um terceiro amigo o Ulisses, mas com este ele só batia figurinha, jogava bolinha de gude e as vezes costumava freqüentar sua casa onde passavam algumas horas juntos. Um belo dia a mãe do Ulisses expulsou, ou melhor, convidou o Ricardinho a se retirar de sua casa quando ouviu este proferir um monte de palavrões endereçados ao seu filho  somente porque este havia feito algumas trapaças com as figurinhas. A partir daí a amizade entre os dois ficou muito estremecida

O Ricardinho  também não era muito admirado pelas garotas, a sua primeira paquera só aconteceu quando ele já tinha uns dezesseis anos. Uma conhecida lhe apresentou a Judite, uma garota muito  “espeloteada” , já com alguma experiência de vida. Já nos primeiros dias de encontro, houve o primeiro entrevero, o ex namorado da Judite  se intitulando dono da mesma veio tirar satisfação,  depois da troca de  alguns sopapos  entre o Nir este era o nome dele e o Ricardinho tudo acabou bem, pois os dois jogavam futebol no mesmo time.

Na realidade, talvez tivesse havido um desses amores platônicos, entre o Ricardinho e uma japonesinha que foi criada praticamente dentro de sua casa. Desde os nove anos de idade sua família residiu em uma casa colada a casa de uma família japonesa composta pelo pai,  um filho e três filhas. Como as meninas não tinham mãe e ainda eram muito pequenas, elas se recorriam da mãe do Ricardinho para  lhe  pedir algumas orientações, muito embora não fossem muito chegadas a solicitar favores de ninguém. A convivência mais chegada entre o Ricardinho e as japonesinhas foi de pelo menos uns cinco anos, ele era muito chegado a menina do meio, a Nayumi, este era seu nome, eles se comportavam como irmãos. O pai da Nayumi Sr.Tanaka vivia do que ganhava com a venda de bilhetes de loteria e com alguns trocados que faturava com o jogo do bicho, que desde aquela época, década de  quarenta já era proibido, mas que nunca deixou de existir.

Já naquela época, a exemplo de como funciona hoje, o cambista comprava os bilhetes na casa lotérica e revendia em partes ou até em bilhete inteiro em casos esporádicos. Quando o bilhete não é repassado, o cambista fica automaticamente com o mesmo como se fosse  um  apostador comum. Foi exatamente numa destas que o Sr. Tanaka não conseguindo passar todos os bilhetes do dia se viu obrigado a arcar com a compra de um bilhete quase inteiro, me parece que tenha ficado com oito dos deis pedaços. Muito contrariado, achando que aquele era seu dia de azar, teve  que aguardar até o dia seguinte quando ficou sabendo que seu bilhete havia sido premiado e que portanto não precisaria mais continuar nesta atividade .

Alguns dias depois, sem  se despedir de ninguém o  Sr. Tanaka juntou sua família e se mudou para lugar ignorado.  Foi nesta ocasião que o Ricardinho  inconscientemente sentiu que seu mundo havia caído, ele demorou alguns meses até assimilar a perda da sua metade.  Neste momento ele descobriu que havia perdido o amor de sua vida.

Aos dezessete anos, ainda não refeito do golpe, o Ricardinho se mudou para São Paulo onde trabalhou em várias empresas fazendo trabalhos os mais diversos possíveis, até arrumar um emprego como auxiliar de escritório em uma firma de laticínios onde ficou por alguns anos e onde se aprimorou  naquilo que ele mais admirava quando criança,  a datilografia.

Como exímio datilógrafo foi correspondente de algumas firmas quando ainda não existia  Xerox e muito menos a informática. Por alguns anos a máquina de escrever foi muito importante,  uma vez  que todos os contratos eram datilografados individualmente se tornando  um documento  personalizado.

Muito embora o Ricardinho sempre tenha deixado as coisas ocorrerem normalmente, ele sempre teve  em mente alcançar tudo aquilo que foi almejado desde a sua adolescência e muitas coisas acabaram acontecendo por acaso como se fosse um passo de mágica. Trabalhando numa multinacional, exercendo cargo de relativa importância, tinha como obrigação participar de quase todos os projetos relativos a expansão ou perspectivas futuras. Durante o desenvolvimento de um projeto, entre os novos funcionários admitidos estava um engenheiro descendente de japoneses que tinha como sobre nome Tanaka. Durante um bate papo amistoso o Ricardinho  comentou com este engenheiro que conheceu uma família numa cidade do interior  de onde era procedente,  que tinha este mesmo sobrenome. Depois de alguns minutos de conversa constatou-se que o Oscar  Tanaka era sobrinho do Sr. Tanaka e portanto primo da deusa  do Ricardinho.  Apesar de já passados muitos anos, agora já de posse de muitas informações da ex amada, ficou sabendo que a mesma estava estabelecida com uma loja na Rua da Mooca  na capital, que estava sozinha, que não tinha filhos e outros detalhes que agora não viria ao caso. Na primeira oportunidade, logo nos dias seguintes, o Ricardinho não teve duvida em procurar a  Nayumi e descarregar aquele caminhão de saudades;  ele tinha certeza absoluta que o sentimento era recíproco.

Depois deste primeiro encontro e de almoçarem algumas vezes juntos, a amizade voltou com muito mais ardor, o que atrapalhava um pouco, é que os dois eram casados,  portanto as coisas tinham que obedecer um certo limite de convivência. Nesta altura dos acontecimentos o Ricardinho sabia como ninguém todos os atalhos necessários para não causar qualquer estrago em nenhuma das partes envolvidas.

Talvez por ter passado muito tempo sem realmente amar alguém de verdade, embora ele mesmo se esforçasse para ter um novo tipo de vida, ele nunca conseguiu viver para um único amor. Como ele sempre teve consciência  de que não era um cara muito atraente fisicamente, meio que sem querer foi desenvolvendo outros predicados, procurou ser  sempre  bem educado, charmoso, deixando sempre no ar um olharzinho  malicioso de  “quero mais” .

Uma  coisa que o Ricardinho desenvolveu com maestria, foi o jeito de se aproximar da pessoa desejada, sendo capais  de cortejar uma mulher  em qualquer circunstância , sem despertar qualquer revolta por  parte  dela. O pior que lhe pode  acontecer é um pedido de desculpa e a alegação de  que  já é comprometida.

Como bom conquistador  ele já passou por poucas e boas, e é lógico que nestas horas o  que vale  é a astúcia  do predador.

Certa vez, a serviço do governo federal  ele estava fazendo uma auditoria numa firma no interior do estado. Como ele passava a semana toda no interior, nos finais de semana  uma determinada pessoa ia até ele e lá permanecia por dois dias, quando então no sábado eles retornavam juntos para a capital, indo  cada um  para sua casa.

Num  final de semana, uma outra  paquera lhe comunicou que no sábado seguinte,  já no carnaval,  seus pais iriam para o Rio de Janeiro e ela estava pensando em dar um pulo até a cidade onde ele se encontrava e  que depois  de passarem algumas horas juntos retornariam para São Paulo.  Tudo mais ou menos combinado, restava a ele somente se comunicar com a primeira,  que naquele final de semana os dois estariam descompromissados. Como isto não foi possível, só restou ao Ricardinho achar um   jeito de entrar novamente em contato com a Simone, este era o seu nome  e tentar inventar alguma desculpa para não recebê-la. Alem de lhe mandar um telegrama,  deixou recado no telefone de uma sua amiga. Tudo providenciado o Ricardinho ficou sossegado.

No sábado, já na espera de embarcar, enquanto aguardava a chegada do ônibus,  ficou passeando pela rodoviária  abraçadinho  a sua amada na maior folga possível, sem se incomodar  com quem estivesse naquelas dependências.

Assim que o ônibus encostou, eles tomaram seus lugares e estavam apenas aguardando a saída, quando sem menos esperar adentrou no ônibus uma  pessoa e perguntou se alguém lá se chamava Ricardinho. Bem sossegado   ele levantou e se apresentou, quando então a pessoa lhe falou que ao lado da porta do ônibus havia uma menina lhe procurando. Logo que ele botou os pés na calçada, avistou uma menina e perguntou se era aquela, o rapaz lhe disse que não e apontando com o dedo indicador lhe mostrou a Simone.

Naquele exato momento, a única coisa que o Ricardinho queria era que um trator ou um trem estivesse passando por ai para que ele se jogasse em baixo sem ao menos pestanejar. 

Mas depois de no máximo cinco segundos ele havia recomposto seu juízo e já começou de imediato a buscar as justificativas que fossem plausíveis para ambas. Como se nada tivesse acontecido, sem se quer demonstrar qualquer perturbação perguntou a Simone o que havia acontecido; esta lhe respondeu que conforme haviam combinado ela simplesmente foi ao encontro. Notando então que ela não havia recebido o telegrama e tão pouco ter tomado conhecimento do recado deixado no telefone, ele começou uma nova estratégia, comprou uma passagem para ela e a colocou no ônibus,  sentada somente ha dois bancos atrás do que ele e a outra estavam sentados.

Durante o tempo de compra da passagem, ele tentou justificar a sua estada com a outra, alegando que a mesma era uma amiga da família e que por coincidência estava  de viagem por aquelas bandas.

Para a Natasha a sua parceira de sempre, ele apenas disse que a Simone, uma menina de pouco mais de dezoito anos, era simplesmente amiga de suas filhas e que por hora ele não tinha a menor idéia do que havia acontecido, mas que assim que chegassem na primeira parada do ônibus ele iria procurar saber mais detalhes.

Durante o percurso que teve a duração de mais ou menos umas duas horas, o Ricardinho teve tempo suficiente para bolar tudo o que iria dizer para as suas duas princesas, sem perigo de magoar qualquer uma delas. Uma coisa ele tinha já em mente desde o primeiro instante que o problema apareceu, em  nenhuma hipótese  as duas poderiam  se encontrar e  se falarem.

Uma coisa que atormentou o Ricardinho foi ter que ouvir durante todo este primeiro percurso do ônibus, o choro da Simone e a voz de uma senhora que sentada ao lado dela, não parou um instante de lhe consolar e dar conselhos lhe dizendo que se fosse por causa de namorado que ela estivesse chorando, não  valeria a pena, porque todos os homens eram safados, aproveitadores, desumanos  e mais um  caminhão de besteiras.

Como planejado, assim que o ônibus parou, ele e a Simone desceram e como não podia deixar de ser o Ricardinho começou a lhe prestar  um rosário de justificativas, fazendo com que a mesma  alem de se acalmar ainda evitasse demonstrar a existência  de uma  maior  aproximação  entre ambos.

Esta parte resolvida, agora era a vez de demonstrar toda a sua segurança durante a explanação que iria fazer para a Natasha, de antemão ele achava que a tarefa seria um pouco mais trabalhosa, visto que esta era muito mais experiente e  não se deixaria envolver tão facilmente. É lógico que nesta altura dos acontecimentos o Ricardinho tinha muito mais argumentos, o tempo  que ele conseguiu para bolar todas as mentiras que seriam colocadas como verdades era muito maior que o necessário.

Uma coisa que o Ricardinho sempre soube é que para você fazer uma mentira se tornar verdade,  primeiro é preciso que você se conscientize  que aquela mentira é uma verdade de verdade.

Estes romances perduraram por mais alguns meses, quando ambas foram substituídas   por novas conquistas.

Sobre oswaldorampani

Escritor por acaso.
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Uma resposta para UM CONQUISTADOR QUASE INOCENTE

  1. Osvanir disse:

    Seu blog está lindo. Fiquei feliz pelo amigo. Abração.
    Osvanir

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